Esqueci
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Foi aqui.

Será que estou esquecendo alguma coisa?

Acho que foi a partir da adolescência que me dei conta da minha capacidade de esquecer as coisas. Aqui vou registrar, para não esquecer mais, algumas reflexões e histórias marcantes que conseguir lembrar sobre como é ter uma rotina de esquecimento.

Sempre escuto “Ahhh, mas eu também esqueço…” quando comento sobre meu estado. Depois de algumas histórias, o ouvinte se convence de uma alta capacidade desenvolvida em mim. Talvez ao escrever este texto descubra se de fato é assim.

Como você pode perceber, eu não tenho a memória ruim. Viver nesse estado me fez entender que é mais saudável ser positivo. Considerando o esquecimento como uma capacidade humana, eu provavelmente tenho essa capacidade muito bem desenvolvida. Uma vez ou outra, pode colocar minha vida em risco? Pode. Posso esquecer, de novo, o Neko sozinho na lavanderia em cima da máquina de lavar? Talvez. Ir ao trabalho sem levar o que precisa? Acontece. Andar de bike e ir para o destino errado? Também. Mas há felicidade nisso tudo aí.

Vou chamar de Síndrome de Dory. Vou colocar a palavra Síndrome porque, no fundo, é coisa séria. E Dory, sendo séria e inevitável, resta se tornar divertida.

Explicando fisicamente como funciona, há um buraco de minhoca na minha mente. Alguns pensamentos caem dentro dele e surgem em outras realidades paralelas ou em outro tempo. Essa seria a origem das algas, citadas aqui. Pensamentos desconexos nessa realidade alimentam a criatividade do Marcelo de outra dimensão. E quando eu lembro de algo, o Marcelo de outra dimensão esqueceu e um pensamento dele chegou até mim.

Não esqueci, sumiu

Eu não lembro onde li, quem falou. O fato é que todos nós temos o hábito de culpar a coisa perdida por nosso esquecimento.

Fui pesquisar onde li, eu mesmo que escrevi aqui. Vou copiar o parágrafo de lá:

Não posso deixar de falar sobre a ideia de sumir. Nós a usamos muito em nosso dia a dia em relação às coisas, afinal, elas somem. Chaves, controles de televisão, grampos, brincos, copos, carteiras. Para não assumirmos a responsabilidade da perda e falta de atenção, atribuímos aos objetos inanimados a capacidade de se teletransportar. Um ser humano ainda não consegue sumir e aparecer em outro lugar, mas a chave sim. Talvez a Teoria da Relatividade tenha começado por aí. Einstein deixou as chaves na mesa, o espaço-tempo se curvou e elas foram parar no futuro, dois meses depois, atrás do sofá.

Olha, me citei. É isso, o verbo sumir nos dá a entender que a chave decidiu sumir, foi uma escolha dela se ausentar da vida ingrata em sua companhia. Comigo acontece de outra forma.

O bolo e o sumiço eterno

Sentado na sala, comendo bolo com uma pessoa. Eu levanto para pegar o celular em outro cômodo. A pessoa come o restante do pedaço do meu bolo. Volto. Ao ver meu pratinho sem pedaço, sento, corto um pedaço e continuo comendo.

Para mim, quando algumas coisas somem, é como se elas nunca tivessem existido. Se não acontecer nada externo para me lembrar, já era. Por exemplo. E só lembro da perda da chave pela existência da porta. Se por acaso a porta de casa sumir, teoricamente, não lembraria que tive chave um dia.

Agrava-se quando demora muito esse sinal, pois me questiono da própria existência da coisa. Por exemplo, guarda-chuva, um clássico. Quando me deparo precisando de um, não lembro se tenho, se perdi, se devo procurar. O lado positivo do sumiço eterno é quando termina: uma certa sensação de felicidade que às vezes surge no cotidiano, parece um presente para mim mesmo.

Já aconteceu de comprar algo que achei que tinha perdido mas só tinha sumido e apareceu.

Tudo que utilizo fica na chamada nuvem, então já vivo um bom tempo sem pendrive. Contudo, esses dias, precisei. E adivinha? Para minha surpresa, ele estava guardado no lugar certo! Ufa, usei e quando desconectei do computador, coloquei, imediatamente, no bolso. Eu sei disso porque quando abri a máquina de lavar, depois da roupa | e a calça do dia | lavada ele estava lá. Como eu nem sabia que o havia perdido, fiquei feliz com aquele presente bem limpinho dado pela máquina de lavar. O que fiz com o pendrive? Devo ter guardado no bolso. Só o futuro me dirá onde ele está agora.

Nomes

Um grande divertimento da minha vida é descobrir os nomes esquecidos das pessoas que converso. Hoje mesmo. Sentou uma pessoa ao meu lado no ponto de ônibus, já havia perguntado o nome dela há um bom tempo. Entre a vergonha de perguntar de novo e ficar tentando arranjar um jeito para descobrir, é melhor a segunda opção. Havia uma outra conhecida próxima, e essa eu sei o nome. Esperei ansiosamente para a despedida, “tchau, fulana”, “tchau, sicrana.” Mas uma só falou tchau para a outra. Não foi dessa fez.

E quando o contato com a pessoa se prolonga e depois de algumas conversas, ela diz: “Anota meu número.” Eu já cheguei a salvar pessoas como Pessoa, pura e simplesmente. Na essência, se você ver, está certo. Agora quer tornar a situação desesperadora? É só dizer: “Deixa eu ver se você anotou meu número certo e colocou meu nome, olha só, quem diria, Marcelo, o nome em branco, você me conhece há dias, me fala bom dia, conversa comigo e não sabe quem eu sou.” Eu sei quem ela é.

O nome é supervalorizado na sociedade.

A pessoa, quando cumpre uma função social, precisa ser compreensiva. Mãe e pai de amigo é uma função social que torna o nome desprezível. Olha aí, já lembrei de alguns amigos que a mãe deles se chama Mãe do Amigo. Cobrador, professora, prima, tio, tia. É complexo pois só são chamadas assim, é raro ouvir o nome delas. Esses dias levei uma pessoa ao médico, como acompanhante. Daí a mãe dela enviou mensagem. “Ei… como chama sua mãe mesmo?”

Neko

Sabe aquelas notícias de pais que esquecem o filho no carro? O Neko não é muito de latir, mas adora ficar em lugares altos, como janelas, mesas… enfim, gosta que o coloque onde ele não consegue subir | ou descer | sozinho. A vez da máquina de lavar, estava lavando o chão, ele atrapalhando, o coloquei em cima da máquina, terminei de lavar. Logo depois olhei no celular, vi um e-mail e fui ao computador responder. Uns 30 minutos depois voltei para a cozinha, comecei a fazer alguma coisa lá. Fui pegar um pano e “Neko!” com uma cara de esquecido. Mas ele me aceita assim.

As Quatro Histórias

Todo dia esqueço algo. Uma pessoa, uma vez, estava tomando antidepressivo e uma das reações era afetar a memória. Quando ela me relatou como estava, as dificuldades em lembrar das coisas, disse: “Mas não é normal?”

Eu não tiro meu relógio | atualmente nem está funcionando, mas esqueço de arrumar | para não perdê-lo. Eu lembro da cena, eu olhando para a moça da loja de relógio, dizendo: “Moça, eu quero um relógio igual aquele que comprei faz um mês e perdi hoje.” Mas antes de pagar, liguei em casa só para confirmar que de fato havia perdido em algum lugar. Estava em casa. Desde esse dia, nunca mais tirei do pulso.

Fogão aceso, cafeteira ligada a noite toda, chaves. Felizmente eu exergo bem, pois uns dias atrás, depois de quase 15 anos sem comprar óculos de sol novamente, vi um por 20 conto numa loja. “Se perder, só vinte conto” Dez dias depois, sumiu.

Para ilustrar minha capacidade de esquecimento, mantenho uma lista com o nome de…. Top Top Dory. Por anos sempre foram três histórias, a última foi acrescentada recentemente. Pois há numerosos critérios para que um esquecimento entre nessa lista, não é qualquer carteira esquecida na rodoviária que entra.

O Primeiro Esquecimento

Quarta série, estou com uma blusa com aqueles bolsos que entram por um lado e sai pelo outro, as duas mãos se encontram dentro. Termino a lição, penso na vida. Ao olhar para a mesa, o desespero me consome. Procuro em todos os cantos, na mochila, no chão, dentro do caderno. Sabendo da cultura escolar, anuncio: “Quem pegou minha lapiseira e caneta?” Depois de acusar meio mundo, me perco em um momento de profunda reflexão em relação à existência das coisas | ou talvez fosse sobre a hora do recreio, não me lembro | quando coloco as mãos dentro da blusa. Achei.

O Mais Estranho

Cresci em sobrado com dois banheiros, um minúsculo embaixo e o outro em cima. Deixava uma escova de dente em cada um para facilitar e, às vezes, subia ou descia escovando. Uma vez abri o armário do banheiro, peguei a escova. Peguei a pasta e, nesse instante, minha mente entrou em modo Dory. Em seguida, peguei a escova. E fiquei lá, por um tempo, parado e contemplando, a pasta de dente apontada para as duas escovas na minha mão.

O pior

Só vou escrever: estudei no CEFAM e, na mesma época, na ETEC. Uma pessoa me disse: “Meu irmão gostaria de prestar o vestibular lá, você pode pegar o formulário de inscrição?” No outro dia, entreguei o formulário. Uma semana depois ela me entregou o formulário preenchido e o valor da inscrição. Quase uns dois meses depois, “Oi, meu irmão perguntou se você está com o comprovante de inscrição, porque ele precisa para fazer a prova.”

“Comprovante?”

Um clássico

Essa já quando aconteceu, logo pensei: merece estar na lista. Saí do trabalho, por precisar ir em outro lugar antes de casa, sentei antes da catraca na lotação, para aproveitar o Bilhete Único, claro. Na hora de descer, procuro, procuro, procuro por todos os bolsos da mochila e não acho a carteira. Imagine a cena: “Motorista, esqueci a carteira, posso descer pela frente?” Ao só inclinar um pouquinho ouvi mentalmente ele dizer: “Que maior coincidência do mundo passageiro esquece a carteira, mas fica sentado na frente e desce, olha só, perto de casa.” Não era tão perto, mas era. Liguei no trabalho, confirmei o esquecimento da carteira. E daí você acha que acabou a história.

No dia seguinte, ao chegar e pegar a carteira, o assunto com meu coordenador no trabalho foi contar histórias de esquecimento. Inclusive contei essas três histórias acima. Voltei para casa, já era tarde da noite. Na rua de casa, começo a procurar a chave. Adivinha? “O jeito vai ser pegar o ônibus e ir dormir na casa da minha mãe. Deixa eu ver se pelo menos tranquei a porta” Achei! Minha chave estava pendurada, na porta de casa, que fica de frente para a calçada.

Esses dias estava com uma sensação de esquecimento. De algo que fazia sempre e não estava fazendo mais. Daí lembrei: “Escrever”


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