O que é uma vida saudável?
Inspirado pelo filme Divertidamente | a mais genial animação de todos os tempos | e também pelas coisas da vida, criei uma metáfora para pensar sobre as relações e nossa individualidade, desenvolvida em três textos. Para começar, vou conceituar saúde e felicidade, palavras fundamentais para a ideia toda.
A inutilidade da autoajuda
Nos livros de autoajuda são encontradas milhares de fórmulas para, resumidamente, ser feliz. De ligar o foda-se a encontrar a razão de viver e, claro, ser empreendedor e ficar milionário. Seja qual for, um autor de um livro assim o escreve, teoricamente, depois de ter chegado à felicidade | ou sucesso? | seguindo a própria fórmula.
Então ao ler um livro destes, por mais óbvio que pareça, você lerá uma proposta de vida que não foi escrita por você. Ou seja, não considera suas condições de vida, seu contexto, sua história. Como também ignora o seu próprio conceito de felicidade.
Um livro de autoajuda só teria alguma legitimidade se fosse escrito por um clone seu.
Ainda periga de você ficar mais triste porque o autor conseguiu ficar feliz e ainda rico | com sua ajuda, comprando o livro |, só que você não consegue executar o plano | só serve para ele! | e só lhe resta a angústia do insucesso, piorando ainda mais sua própria situação. E adivinha? Para resolver, você compra um outro livro de autoajuda.
Uma coisa que reparei:
Nenhum livro de autoajuda tem um capítulo sobre como escrever um livro de autoajuda enrique… quer dizer, ajudou.
“Nesta segundo edição de ligar o foda-se, adicionei um capítulo que conto para vocês como escrever sobre isso me deu plenas condições financeiras para ligar o foda-se.”
Além de não ser para você, os livros de autoajuda já começam errados devido ao foco na felicidade, algo impossível de ser controlado, como a tristeza. As duas são apenas consequências. Vamos a um exemplo. Um dia eu acordei bem triste mas disposto a ter um dia feliz, “bola para frente”. Fui passear com o Neko e quando voltei para casa, percebi a ausência da chave. Ela também foi passear, mas fez um outro caminho e sumiu.
Não posso deixar de falar sobre a ideia de sumir. Nós a usamos muito em nosso dia a dia em relação às coisas, afinal, elas somem. Chaves, controles de televisão, grampos, brincos, copos, carteiras. Para não assumirmos a responsabilidade da perda e falta de atenção, atribuímos aos objetos inanimados a capacidade de se teletransportar. Um ser humano ainda não consegue sumir e aparecer em outro lugar, mas a chave sim. Talvez a Teoria da Relatividade tenha começado por aí. Einstein deixou as chaves na mesa, o espaço-tempo se curvou e elas foram parar no futuro, dois meses depois, atrás do sofá.
Voltando. Começou a garoar, o Neko me olhava. Fui procurar a chave, na chuva. Refiz o caminho, quando estava mais distante de casa, com a chuva mais intensa, meu chinelo estourou.
Mandei a bola para frente, ela bateu na trave e caiu na tristeza.
Hoje
Você não sabe se será feliz no trabalho, no curso iniciado, em um novo relacionamento. A alegria ou a tristeza só chegará quando forem vivenciadas. Só acontece no presente, é vivida, não funciona como o Netflix | on demand | a qualquer momento e lugar “Vou dar um Play na felicidade”. A festa, o casamento, o gol, a vitória, o chocolate derretendo na boca, aquele instante te dá a felicidade unicamente… naquele instante.
Ela está viva, dentro de você, esperando o momento de viver. Claro, junto com a Nojinho, a Tristeza, a Raiva e o Medo.
Curioso: dos sentimentos básicos do Divertidamente, só o medo é masculino.
Memórias passadas e futuras
Retomando mais uma vez o filme, temos as memórias! Mas as memórias misturam tudo. A lembrança feliz de uma pessoa vem junto com a tristeza da distância em que hoje se encontra. A tristeza por uma doença está coberta pela felicidade de estar saudável, hoje.
A frase “estava feliz”, no passado, é, no presente, triste.
A mesma lógica funciona para as memórias futuras: aquele instante em que você pensa: “E se eu passasse em um concurso?” Viajar nisso te dá uma sensação de felicidade, mas ao lembrar que para isso, precisa estudar, a tristeza chega.
A alegria é um instante, um momento capaz de se transformar em memória, lembrança, passível de ser contada para outro. Definida a felicidade, vamos falar de saúde, pois minha hipótese é: A felicidade é uma possível consequência | efeito colateral | da saúde.
Saúde
Segundo a OMS a saúde não é simplesmente não ter doenças e sim um estado completo e integral de bem-estar, em basicamente, três perspectivas: físico, mental e social.
Barrinha de cereal, por exemplo. É um produto que faz mal para a saúde, pois ela só cuida do seu corpo. Sua mente fica completamente insatisfeita de estar comendo esse troço e, por fim, ninguém faz piquenique com os amigos e leva barrinhas de cereal. Das três perspectivas, só faz, respectivamente, bem para uma, causa transtornos para a seguinte e não contribui em nada para a última.
O torresmo, de forma moderada, talvez seja mais saudável do que uma barrinha de cereal. Apesar de não fazer bem para seu corpo, sua mente fica irradiante de prazer e uma porção de torresmo permite ótimas socializações.
É importante aqui ampliar a reflexão sobre saúde além de questões físicas, pois falarei sobre relações no último texto. Uma vida saudável não é apenas exercícios e alimentação | conta muito sim mas mão é tudo.
A resposta padrão para se ter uma vida saudável é que seja equilibrada. Se procurar na internet, encontra-se listas e listas de passos para se ter uma vida equilibrada. Nada a ver. Caímos na mesma vala da inutilidade aonde moram os livros de autoajuda. Passos definidos de formas amplas que servem para todos e não servem para ninguém, como o horóscopo.
Meditar, academia, alimentação saudável, dietas, yoga, leitura, nada disso é saudável se não faz sentido para o indivíduo. Vi agora em uma dessas listas: ser positivo. Se alguém não consegue se concentrar para meditar, não tem direito a uma vida saudável? E se não consegue colocar a cabeça entre as pernas na posição de yoga? Pô, e se não é positivo?
Vou definir três conceitos para discutir o que é ter uma vida saudável.
Vida Herdada, Vida Vivida e Realidade Necessária
Sabe aquele instante em que você está numa determinada circunstância, fazendo algo ou acompanhado de alguém, para e começa a pensar: “O que eu fiz da minha vida para estar aqui, fazendo isso, com esta pessoa?” A resposta desta pergunta é a vida herdada. É tudo que aconteceu no passado, junto com uma compreensão de que escolhas, decisões e caminhos te levaram ao presente.
A Vida Herdada é todo o passado, que resultou no presente. E a Vida Vivida é como se está vivendo o hoje.
A Realidade Necessária é aquela na qual você almeja viver.
É diferente de um sonho, um objetivo, uma meta, um projeto. É… a segunda-feira. Como a segunda-feira deve ser vivida, para você?
Viajando, na piscina, assistindo uma série? Veja, no fundo, você sabe que não. Não é ter uma vida de sonhos. Obviamente que entramos em uma questão financeira, por isso uso o termo realidade, pois é uma vida almejada que leve em conta suas condições sociais e financeiras. E o termo necessária parte da ideia de um auto conhecimento sobre si, sobre sua própria cultura e aquilo que é necessário para você ser saudável.
Consciente das suas próprias circunstâncias, você vive sem almejar estar em outro lugar.
Talvez a barrinha de cereal, para um determinado grupo de pessoas, seja uma delícia e o que mais gostariam de fazer seria um piquenique com vários sabores de barrinhas, aos finais de semana | Realidade Necessária.
Mas aos finais de semana só assistem Faustão, comendo barrinhas | Vida Vivida.
Porque, quando crianças, ficavam em casa assistindo televisão aos domingos | Vida Herdada.
Quanto mais se aproxima a Vida Vivida da Realidade Necessária, mais saudável é a vida. Por isso, é impossível escrever um livro de autoajuda que, de fato, ajude. Cada indivíduo precisa compreender sua necessidade de vida, a partir do que gosta de fazer, das próprias expectativas, a relação que tenha com a saúde física de seu corpo, do lugar que vive, os sonhos, as angústias, o salário, o trem lotado, o ponto à noite, sozinha. A partir disso tudo.
Como também precisa compreender como deseja suas relações com as pessoas: família, amizades, parceiros de trabalho, os amores, as paixões. Acredito que as relações tenham papel chave na Realidade Necessária de cada um, por isso criei uma estrutura metafórica para refletir sobre a saúde das relações.
A fundamentalidade das relações
Um dia, vou escrever um texto sobre o capitalismo, mas algo importante a citar aqui é a distorção causada por ele no papel das relações. As relações deveriam ser as prioridades, não o dinheiro, o consumo. Nem o conhecimento | para conseguir dinheiro. Mas o capitalismo nos faz crer que é mais importante que cada membro da minha geração tenha seu apartamento de 31 metros quadrados, sua televisão, sua cozinha, suas coisas, e não compartilhe espaços com mais ninguém.
Cada um tendo suas coisas, são mais coisas sendo vendidas.
Superada a distorção mercantil, acredito nessa fundamentalidade das relações em nossa vida, basicamente, por uma única percepção:
Momentos solitários de felicidade só se tornam felizes quando contados.
Metodologia da Vida Saudável
A felicidade passa a ser a soma de duas satisfações:
- a própria Vida Vivida, próxima da Realidade Necessária;
- A satisfação em ser capaz de ter uma Vida Vivida o mais próxima de sua Realidade Necessária.
Lembra dessa pergunta: “O que eu fiz da minha vida para estar aqui, fazendo isso, com esta pessoa?” No momento em que se faz uma pergunta como essa é quando a Vida Vivida está bem distante da Realidade Necessária.
É importante compreender que nesse texto não sugiro nadinha para sua vida, talvez só o torresmo. O que sugiro é um método para avaliar a saúde da vida. E já lhes digo: minha vida não é tão saudável não.
Quando minha Vida Vivida se tornar, plenamente, a minha Realidade Necessária, escrevo um livro.
Se vender bastante | com você comprando | prometo escrever na segunda edição como o ter escrito melhorou minha vida.
Leu tudo? Óia. Agora só falta comentar e compartilhar!
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