Presidente Lula
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Pode ficar com minha caminha, durmo aqui, de boa.

17h42 do dia 8 de novembro de 2019, eu chorei. Porque o homem que mudou minha vida, a vida de pessoas queridas, estava livre novamente. Aqui vou falar sobre o que o Presidente Lula e o PT representam para mim.

Ser esquerda

Pepe Mujica disse que é “uma posição filosófica perante à vida, onde a solidariedade prevalece sobre o egoísmo”. Não é uma posição política, é mais do que isso. Por isso as amizades que você perdeu não foi por discussão política. Foi por princípios.

Uma amiga, muito preocupada com sua linda filhinha, decidiu fazer um convênio bem caro para ela. Só a bebê tinha esse convênio caro e, tempos depois, acabou por ficar doente. Depois dos exames extremamente detalhados em um dos melhores hospitais infantis de São Paulo, descobriu que, se me lembro bem, ela estava com alguma bactéria no pulmão. Se não tratasse rapidamente, corria graves riscos. Durante o tratamento, até fisioterapia fazia, algo que nem sabia que existia, fisioterapia respiratória para bebês. Minha amiga chorou por todas as mães que não tinham as condições dela, por todos os bebês que se foram nos rincões do país, apenas por não terem o devido tratamento no momento certo, como a filha dela.

Isso é ser esquerda.

Uma vez ouvi de um dono de escola particular que era bom para o negócio dele o governo paulista não investir em educação, a escola pública continuaria ruim e, assim, ele teria mais clientes.

Isso é não ser esquerda.

Ser esquerda é entender que todos merecem. Todos merecem a felicidade, não importa seus passados, suas histórias, seus sofrimentos. Não ser esquerda é achar que só aqueles que são iguais a você são dignos.

A partir desse princípio, é possível refletir sobre cada ato, cada atitude e, claro, nem sempre conseguimos. Somos egoístas, pensamos em nós mesmos, nos nossos, em nossa família. Às vezes, criamos critérios para dizer que defendemos alguns e não todos. Mas existem pessoas que não são como nós. Elas conseguem ser mais esquerda, conseguem ser o tempo todo. Sacrificam o próprio corpo, a própria liberdade, a própria existência pelo outro. Esses que são, na verdade, os esquerdas extremistas.

Esquerda extremista

É curioso como a palavra extremista tem um significado normalmente negativo. Mas vou substituir a palavra esquerda por solidário e direita por egoísta. Assim você pode ser extremamente solidário ou extremamente egoísta.

Eu não vou explorar o que é ser extremamente egoísta, mas quando você ler “extrema direita defende…” coloque a palavra egoísta e veja se faz sentido. Quando tiver só direita também faça essa troca.

Agora quando ler esquerda, leia solidário.

Uma mãe que sacrifica sua liberdade em um casamento machista, por décadas, para garantir saúde, moradia e comida para seus filhos é de extrema esquerda. Um homem que sacrifica seu corpo na cruz pelos outros é de extrema esquerda. Alguém que escolhe passar fome para defender o outro é de extrema esquerda. Alguém que vandaliza uma estação de trem depois de aguentar 20 anos pegando trem lotado, toda manhã, é só quebra um vidro em resposta, é de extrema esquerda. Um líder que aceita as injustiças da justiça sacrificando sua liberdade por uma ideia de pensar no outro é de extrema esquerda. Por isso o Presidente Lula me fez chorar.

Uma vida dedicada não ao outro, mas a todos os outros, inclusive àqueles que não sabem disso.

A ideia Lula é a pura solidariedade: pensar no outro. E essa ideia não pode ser livre. Para o capitalismo, que te convence que você é o mais importante para você, uma ideia como essa não pode estar por aí. No capitalismo, não há espaço para a solidariedade, apenas para o lucro. E para lucrar, é necessário usar o outro. É uma questão de princípio do sistema, só funciona a partir da premissa de que os indivíduos são egoístas. O solidário não tem vez. Tem que estar preso para não atrapalhar.

Caridade

Cuidado para não confundir com o caridoso. A caridade é uma estrutura genial criada pela elite para que possa dormir tranquila e manter os pobres em seus lugares, que são os seus dois princípios básicos:

  • A classe média e a elite se sentem responsáveis por um mundo melhor. Ao invés de pagar melhores salários aos seus funcionários, oferecer melhores benefícios ou, pelo menos, pagar corretamente os impostos, escolhe um do espectro de pobre e dá uma ajudinha. E assim pensa que está fazendo um pouquinho para um mundo melhor.
  • O segundo princípio é que esse pouquinho não pode mudar nada. Uma vez um amigo disse o termo: contenção social. O pobre tem toda a vida fudida mas recebe uma bolsa, uma comida, algo assim. “Agora é só você se esforçar.” O pobre fica até mal, está sendo ajudado e não consegue mudar de vida. Dessa forma o pobre continua sendo explorado 98% do tempo, mas por ser ajudado em 2%, fica satisfeito.

Uma vez conheci uma ONG com sede no Brooklin que se orgulhava de servir toda terça à noite mais de 100 refeições para pessoas em situação de rua. Vinte anos fazendo isso! Quantas pessoas saíram da rua com esse maravilhoso trabalho da ONG? Zero. É até ruim que alguém deixasse de morar na rua. Primeiro, a ONG não teria público. Segundo, ao invés de refeições teria que dividir toda a riqueza com todos. Aí é demais. Muitos projetos, empresas, ONGs funcionam assim. No fundo, não há solidariedade, há um egoísmo de se sentir bem e manter as coisas como estão.

E na essência da solidariedade há uma perda. Ser solidário é perder algo significativo.

É deixar de ter para o outro ter.

Será que alguém da ONG deixou de jantar algum dia para que o outro jantasse? Existe uma grande chance de você que lê este texto, se cresceu na periferia, ter passado por isso. Talvez muitas vezes, talvez poucas vezes. Está muito cansado, sem aguentar ficar em pé mais um minuto, mas chega alguém de mais idade, uma criança, e você levanta do seu lugar. No recreio, você não leva muito lanche, mas divide o pouco com quem não trouxe nada. Está sem grana, mas mesmo assim chama seu amigo pro rolê e diz “deixa comigo.”

Solidariedade, em essência, só pobre sabe o que é. Só pobre, em algum momento, já aumentou seu sofrimento intencionalmente para diminuir o sofrimento do outro. Classe média e ricos não entendem isso. Por isso quando alguém tenta forçar isso, a elite utiliza todos os mecanismos para não perder nenhum privilégio. Privilégio de ter pobre aceitando qualquer emprego e salário. Privilégio de ter gente trabalhando em prol de seu enriquecimento não pode virar, de repente, aposentadoria. Tem que trabalhar até o fim da vida.

Solidário na política

Uma forma de forçar a solidariedade seria taxar grandes riquezas. Consegue ler o princípio? É ser solidário com o outro. Mas quando no ano em que os bancos tiveram maior lucro dos últimos 25 anos, você decide taxar desempregados, é ser egoísta. É atender uma classe, um grupo que provavelmente atende seus próprios interesses.

Há outras formas de forçar a solidariedade em um povo. Vejamos algumas:

  • CEUs na periferia;
  • Bilhete Único;
  • PROUNI;
  • Potencializar o ENEM;
  • Aperfeiçoar o Bolsa Família;
  • Minha Casa, Minha Vida;
  • Institutos Federais em regiões afastadas;
  • SUS;
  • SAMU;
  • Mais Médicos;
  • Fome Zero;

Analise. Qual o público alvo desses programas? Praticamente todos são exclusivos para pobres. Agora você que critica o PT, escreve no papelzinho o que seu partido fez pelos pobres. Olha que difícil. Aposto que você imaginou que a pergunta seria “O que seu partido fez por você?”

O pensamento hegemônico da direita faz com que você sempre pense em si mesmo. Em proteger seus privilégios, seus direitos. Mesmo que você não os tenha. Então você é contra os impostos, ao mesmo tempo que pede que o governo faça posto de saúde e escola de qualidade, que serão financiados pelos…. impostos.

Então quando uma proposta solidária de um homem solidário assume o governo de um país, haverá uma onda egoísta em resposta, pois terá seus privilégios questionados, e vai utilizar de todos os recursos para impedir que ele governe. Às vezes, o homem solidário vai precisar ceder para governar, mas aquele que for solidário também, se identifica. E se identifica não só por isso, mas também porque você (ou alguém que você conheça) passou fome, sofreu acidente de trabalho, é nordestino, teve dificuldade de estudar, sofre preconceito por seus modos, toma cervejinha e gosta de churrasco. Quando alguém parecido com você é preso, é como prender você. Se assim você for solidário. Uma identificação tão grande que se torna física.

Abraço

Uma vez, colaborei em um projeto dentro do Centro de Detenção de Pinheiros com um grupo de uns quarenta presos. Antes de iniciar, participei de uma reunião em um escritório de advogados na região do Pacaembu para organizar o projeto. Pessoas muito educadas e carinhosas nessa reunião, extremamente simpáticas, me senti acolhido, mas não em casa. Em casa me senti na prisão. Olhava para aqueles homens e via, em suas expressões, na cor da pele, no jeito de falar, nas histórias, meu pai, meus tios, meus vizinhos, meus iguais periféricos do Jaraguá, Pirituba, Guainazes, Capão. Lá, senti que um pouco de mim estava preso.

Enquanto o Presidente Lula estava preso, boa parte de mim também estava. Pois sua prisão injusta e forçada representava a prisão de milhões de brasileiros que, depois de anos e anos de governo petista, acharam que é normal ter comida, fazer viagens pela CVC, ir em rodízios japoneses, estudar em universidades públicas.

Eu fazia questão de abraçar cada detento no CD de Pinheiros. No instante da liberdade do Presidente Lula eu abracei uma pessoa muito querida. Mais do que querer contar de como minha vida mudou com os programas sociais petistas, meu sonho é um dia dar um abraço no Presidente Lula. E na Presidenta Dilma também.

Ser esquerda é querer abraçar o sofrimento do outro. E o presidente Lula


Leu tudo? Óia


1 thoughts on “Presidente Lula

  • 05/12/2019 at 8:41 PM
    Permalink

    Nossa às vezes a gente esquece do quanto é difícil ser de esquerda, quanto egoísmo temos que deixar para trás. Mas quando eu vejo o meu semelhante em situação de necessidade eu vejo o quanto a meritocracia legítima as desigualdades sociais… isso dói…

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