Então o povo ganhou?
Neste segundo texto | primeiro aqui |para discutir as Eleições 2018, vou caracterizar com mais detalhes as duas elites que disputam, no Brasil, o coração do povo e o poder e que foram derrotadas.
Nata
Descobri que elite significa “o que há de melhor numa sociedade.” Ou seja, um absurdo. Mas um de seus sinônimos é nata, que também é aquela camada que se forma sobre o leite, mas que veio dele. Talvez nata da sociedade seja uma definição mais adequada para aqueles que se colocam fora e acima do povo.
Curiosidade: quando a nata se forma, jogo fora.
Mas não deveria, pois eles também são leite, como diria Freire, a lógica opressor/oprimido é imposta para todo o copo.
Às vezes eu me perco nos paralelos que faço, outras vezes faço as pessoas se perderem. Vou detalhar essa coisa do leite, caso use novamente. Copo seria o país e, o leite, as pessoas. Esquentar podemos comparar ao país crescer, todo o leite fica agitado, trabalhando, mas só uma parte vira nata, o nome mais honesto para elite. A nata, lá no alto, se impõe sobre todo o restante do leite, em uma relação de opressor e oprimido. Para Freire, todos devemos ter consciência de ser leite, não adianta jogar a nata fora, pois outra aparecerá no lugar.
A nata Mercado
Você já percebeu que em nossa história não há revoluções ou quedas? Há um continuísmo das natas econômicas, disputando entre si a prevalência de interesses e do enriquecimento. Não é de se estranhar que a Ditadura Militar tenha acabado sem uma revolta popular? Coincidentemente, o seu fim corresponde a um período de estagnação econômica, semelhante ao da saída da presidenta Dilma, do fim da República Velha … resumindo em uma palavra: mercado.
O mercado aponta a direção do país, a partir dos seus interesses com a vantagem de ser, neste contexto, o mais abstrato dos substantivos. Você já ouviu falar de corrupção no mercado? Quem é o mercado? Quem o defende? Quem ganha com ele? A única característica clara dele:
Entende que a função do povo é fazê-lo enriquecer.
As ferramentas do mercado são, basicamente, três. Primeiramente, os políticos. Nos casos de corrupção, você só presta atenção neles, mesmo que o dinheiro todo tenha saído das empresas. Como exemplo, na Operação Lava Jato, em que temos 44 empresas citadas, mas só lhe vem na cabeça o nome de um político, não é?
O mercado também tem a mídia, que dispensa apresentações. Por fim, a mais importante de todas:
A classe média
Perceba, só há leite e nata. Não existe um meio termo. Então, do que é feita a classe média?
São moléculas de leite, espalhadas nele, mas que se acham nata.
O mercado permite que uma pequena parcela da sociedade tenha acesso a um pouquinho da riqueza, bem pouquinho mesmo. Mas a classe média acha que está exatamente entre ser povo e ser nata. Não. Ela está misturada com o povo, só a nata que está acima dos dois. A vantagem para o mercado de se ter a classe média convivendo com o povo, basicamente, são duas.
O povo vai se esforçar ao máximo para se tornar classe média, gerando ainda mais riqueza para a nata econômica. Vira um objetivo tangível, afinal, a classe média compartilha as ruas, metrô, restaurantes e outros espaços com o povo, ainda que ela se esforce em se distanciar, por meio de condomínios e carros blindados.
Eu já fui ao Shopping JK, Higienópolis e Iguatemi, na capital paulistana, mesmo sabendo que não são para mim. Como pobre, meu sonho é me tornar cliente desses shoppings top!
A segunda vantagem é que a classe média blinda a elite. Assim: o pobre, ao se movimentar, gera transtornos para a classe média, seja roubando suas casas e carrões, seja congestionando o trânsito com seus carros financiados ou ainda fechando a Anhanguera com pneu queimado em manifestações. Você já viu pobre fechando o Campo de Marte?
O que separa a nata econômica é ter jatinho.
A última ferramenta da nata econômica, a tal da classe média, acabou por gerar um outro tipo de nata. Ao invés de ficar por cima é nata-bolha, circulando por todo o copo de leite.
Uma bolha que, quando precisa de dinheiro, sobe até a superfície do leite, ao encontro da nata econômica. Quando precisa de público ou objetos de estudo, vai até o fundo do copo.
A nata cultural
Tem diploma, tem coleção de coisas, faz yoga, tem quadros e enfeites espalhados pela casa, de diferentes culturas, adquiridos em viagens de férias, anos sabáticos, intercâmbios. Trata esses artefatos, danças e cores cotidianas de outros povos como obras de arte.
Passa em vestibulares, faz ETAPA, não precisa de bolsa, ou melhor, não chama estudar em universidade pública de bolsa. Deseja um mundo verde, equilibrado, justo socialmente falando, desde que não mexa com seus privilégios, que os chama de direitos.
Acha mais importante sua identidade do que a igualdade.
A Yellow Bike, um aplicativo de empréstimos de bicicletas, chegou com a proposta de oferecer seus serviços em toda a cidade. Claro, como a Periferia para a classe média não é cidade, seus donos não esperavam que suas bicicletas fossem deixadas no Capão Redondo, Taipas, São Mateus, Osasco. Definiram uma área de atendimento. E aAdivinha? Veja aqui. Procure o mapinha: é a morada oficial da nata cultural na cidade de São Paulo.
O aplicativo é mais uma solução moderninha para o povo moderninho, das ciclovias, cervejas artesanais, yoga, mundo verde, parques, festivais e seminários. Pesquisa para a gente: de todos os eventos sobre… educação ocorridos em 2018 na cidade de São Paulo, quantos aconteceram fora deste mapinha?
A solução teórica para o povo
Ah, a teoria. A nata cultural é, de forma geral, progressista e luta pelos direitos de todos. A partir do acesso ao conhecimento e à cultura | durante toda sua vida | ela desenha um modelo de sociedade ideal e tenta doutrinar o povo. Claro que ela não fala doutrinar, usa o termo conscientizar, pois são todos temas e coisas bonitinhas. Um exemplo é a reciclagem.
Pobre já utiliza o pote de requeijão como copo, garrafa PET para guardar água e suco, ossos da comida para o cachorro, roupa do irmão mais velho para o mais novo, caixa de qualquer coisa que compra para guardar tralha, compra carro velho, enfim.
Nata cultural compra palete novo | inclusive já pintado | e chama isso de reciclagem. Aqui fica a dica: seria reciclagem pegar os paletes largados por aí, limpar, arrumar os pregos, pintar e usar.
Então um monte de crianças em escolas públicas periféricas realizam projetos de reciclagem, já sabendo o que é, porque afinal, quem definiu o currículo foi…. a nata cultural.
Outra coisa da nata cultural: criança vive em apartamento só assistindo televisão e jogando videogame. Está escrito nos discursos educacionais sobre a contemporaneidade. Só digo uma coisa:
Dê um rolê na Periferia em um domingo.
Mas quem escreve os livros sobre infância quer resgatar as brincadeiras que seus filhos, enclausurados em apartamentos e clubes, não vivem mais.
Então a nata cultural, de cima de sua pirâmide de livros e teorias, assumiu o discurso das minorias, das diversidades e, principalmente, da classe operária e lançou seu candidato doutor no lugar do torneiro mecânico.
Perdeu.
Perdeu junto com a nata econômica. Uma perdeu porque só vê o povo como objeto de exploração, a outra perdeu por vê-lo como objeto de estudo. As duas não escutam o povo, não buscam compreender suas angústias, seus limites, sua vida cotidiana. E quem ganhou as eleições em 2018? Alguém que fala como o povo entende.
A solução prática bolsonarista
É óbvio que diferentes grupos, principalmente da nata econômica, se aproveitarão de um presidente que garantiu solucionar diversos problemas, sem mostrar como. E a cada dia que passa, mostra que, na verdade, não sabe mesmo como fazer. Mas isso é algo que o povo faz. Com sangue, suor e lágrimas, o povo diz:
No final, vai dar tudo certo.
É curioso. As duas natas da sociedade se assustam com um presidente que não age como elas, mas age como o povo. Veja, não estou dizendo que ele defenda o povo, que está agindo certo, nada disso. Nem me refiro às suas más intenções. Estou dizendo sobre a postura, a lógica de pensar. O exemplo mais evidente é seu modo de falar.
A insistência no erro
Obviamente, a nata econômica fará o que sempre faz para inserir sua pauta no caminho da nação. Já a nata cultural, progressista, vai insistir em criar um plano de resistência, de luta, de mudança, de sei lá mais o quê…
Em nome do povo.
Ao invés de ir até lá, dialogar com o povo, se posicionar ao seu lado e fazê-lo voz.
Não gostou? Não conte para ninguém. Gostou? Comente, compartilhe!
Pingback:A Ilha da Individualidade – Marklienista