A arrogância do livro e a simplicidade da cerveja
Leitura: 4 minutos

Mas você já leu o livro?

Tô procurando um artigo aqui pra te provar, tá em alguma pasta.

A disputa travada nessas eleições de 2018, a qual faço parte do lado derrotado, me fez refletir que também faço parte do lado vencedor, pois mais uma vez na história do nosso país, felizmente e indiscutivelmente, o povo venceu. A ideia é desenvolver alguns textos sobre o assunto a partir de uma perspectiva progressista, mas de base, como diria Mano Brown, pois não espere por intelectualidades e justamente sobre isso começo falando. Questiono aqui o uso do livro como símbolo da esquerda.

A voz do povo

O Brasil nasceu do rádio. Por diferentes interesses, a linguagem radiofônica foi usada por governos e comunidades como as primeiras formas de comunicação. Influenciou, inclusive, as próximas linguagens que o avanço tecnológico trouxe, com destaque para a televisão. Se os europeus têm o livro, os americanos, o cinema, nós temos o rádio em nosso século XX.

Evidente característica em um país com altas taxas de analfabetismo.

Contudo, as duas elites (em breve, um texto sobre) do nosso país definiu o livro como o deux ex machina das nossas mazelas sociais. Sim, aqui estou falando também das forças progressistas, atualmente resumidas em forças de esquerda, resumidas em forças petistas, resumidas em forças comunistas.

As correntes progressistas, após lerem em milhares de textos, publicarem milhares de artigos, citarem e clamarem por dezenas de teóricos e realizarem centenas de seminários e encontros para discutirem, entre si, seus próprios textos,  para o povo | aqui configurado, por diferentes metodologias de pesquisa, apenas como um objeto de estudo |
definiram que a solução é cultura e educação, esta pautada na alfabetização, na leitura, no conhecimento.

Na rede municipal de educação de São Paulo, inclusive, existe o POSL: Professor Orientador da Sala de Leitura. Um espaço e um profissional dedicado à leitura. Logo abaixo retomarei este assunto.

De forma geral a Academia é toda pautada única e exclusivamente no texto. Até hoje, em todas as universidades do país, mesmo com advento de diferentes linguagens midiáticas | e contra a tradição da oralidade |exige, para conclusões quaisquer,  monografias, teses e dissertações escritas.

O livro e o cotidiano

Eu me atentei à pergunta principal deste ensaio quando uma jovem amiga, na busca por entender o que é ser feminista, me relatou que, ao discutir sobre o conceito da palavra em um grupo no face, outras mulheres a responderam com: “Mas você já leu livro tal? Então, após ler, poderá dar alguma opinião sobre isso.”

O livro é o representante fundamental nesse processo de formação cultural, posta como essencial para a reflexão e olhar crítico do indivíduo. Ao lado dele, temos o cinema, as peças teatrais, as exposições,  a letra da música bonita do Chico. Toda cultura elaborada, inacessível ao cidadão comum, seria, ao mesmo tempo, o passaporte para um país socialmente mais justo, estando inundado de norma culta, conceitos claros e poesia.

Precisamos de cultura e educação!

Contudo, a FUVEST não elimina machistas, racistas e homofóbicos. Diferentes pessoas letradas, com vasto conhecimento, formação, vidas culturais ativas | tudo aquilo que os progressistas almejam para toda sociedade | são conversadoras e retrógradas, defensoras de seus próprios interesses. Os livros e a cultura não trouxeram reflexões humanitárias para essas pessoas.

Além disso, há respostas que não são encontradas em livros, danças, músicas e teatros:

  • O que fazer se meu filho está doente e na UBS não tem pediatra?
  • Como ficar menos de três horas no transporte público por dia?
  • Quando não tem vaga na creche, mas eu preciso trabalhar, com quem posso deixar meu filho?

Um dia publicarei um texto sobre mim, vou adiantar só duas características:  sou professor e já fui alfabetizador.

E como pode um professor questionar o livro?

Justamente porque eu li em um livro, que o que mais importa | e não única | é o encontro entre as pessoas, é o diálogo. Será que Paulo Freire bebia? Pois ao invés de um livro na mão, os progressistas deveriam ter ido votar com uma cervejinha.

Bora tomar uma?

Qual imagem você tem do presidente Lula? Além de várias, uma é fato: bebum. E  não é pejorativo, não. Ele é o cara que senta na mesa e conversa. Ele é próximo, te escuta, fala, dá risada, chora, xinga. Pois ele é comum. No final de semana a turminha sai para beber e o presidente Lula,  o mais “de boa” da turma, está sempre presente. Bolsonaro, o estressadinho que sempre arruma briga, também vai lá no churrasquinho tomar uma Skol ou Itaipava | não me venha com artesanal! Mas o Haddad, não. Estará em casa estudando, talvez até sobre o existencialismo das interações humanas em frente ao cozimento de mamíferos ruminantes, sem querer ser interrompido.

O nosso futuro presidente você encontra na esquina, no bar, dirigindo ônibus, sendo zelador, um pequeno empresário. Jair, gostando você ou não, representa o brasileiro médio, comum, ansioso por mudança | sem saber qual, sem entender qual, sem ler muito | só que com muitos sonhos e angústias. E estas, talvez, alimentem o ódio e a violência que vemos por aí, muito mais que discursos efusivos.

Claro que forças extremistas estão se aproveitando, mas não temos 57 milhões de fascistas, embora tenhamos toda uma esquerda taxando estes 57 milhões de pessoas como tal.

A esquerda estuda o povo, mas não dialoga com o povo. Ao invés disso, o categoriza, cobra a leitura do livro e a adequada citação.

Sala de Diálogos

O diálogo precisa do outro.

Imagine um Professor Mediador de Conversa na escola e uma sala física exclusiva para o bate papo? Sua ferramenta básica seria a roda de conversa, ao invés do livro, do cinema, da dança refinada,  ideal para aproximar, pois não existe roda de um, todos estão no mesmo nível, todos se olham. A roda de conversa não exige pré-requisitos, nem de bola e dois pares de chinelos. Por mais óbvio que seja,

Para ler um livro, é preciso saber ler.

O livro nunca reinou em nosso país e com o advento de outras mídias, continuará participando de forma restrita e elitista | culturalmente | da sociedade. 

A desejável vitória do Haddad não representaria a das minorias, da diversidade, de todos. A vitória das atuais lideranças progressistas seria da elite cultural de esquerda que discursa pelo povo, mas o trata ora como objeto de estudo, ora como perfil bloqueado, excluído, incompreensível.

Talvez neste ponto do texto você esteja se perguntando: “Você critica a leitura e escreve textos?”

Pois estes textos são para você, progressista, que lê.

Agora vai lá, promova um churrasco com quem você está brigado, abrace-o e converse. É, só assim.


Não gostou? Não conte para ninguém. Gostou? Comente, compartilhe!


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *